O importante é jamais desistir de ser você mesmo.

sábado, 25 de abril de 2020

Quando Não Há Um Amanhã










Quando já não houver um amanhã
e o tempo, caído sob os meus pés
com um triste olhar vítreo e calado,
der o suspiro derradeiro de esperança,
o quê ainda haverá para esquecer
além daquilo que jamais foi lembrado?

Quando já não houver um amanhã,
e o céu, caindo sob os sujos pés
de nuvens nubladas e insensíveis,
galgar a manhã como se fosse a última,
o quê ainda haverá para lembrar
além daquilo que jamais foi vivo?

E quando já não houver um amanhã
e o corpo, perdido nos pés descalços
de ladrilhos e cascalhos invisíveis,
cavar o passeio público de um sábado,
o quê ainda haverá para se reviver
destes tempos que nunca passaram?

Quando já não houver um amanhã
e a pálpebra, trêmula como a cortina
de uma peça teatral mal ensaiada
se fechando temerosa sob as vaias,
cerrar-se numa clausura sinistra,
qual filme ainda haverá de passar
desta crônica mentira canônica?

E quando já não houver um amanhã,
o que será daquele que nunca foi ontem?

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Entre Noturnos











Queria um copo de café
para refletir mil galáxias.
Mergulharia em viagens
que me levassem longe.
Cavalgar cometas errantes,
rasgar tão velhas miragens
para deitar na luz de estrelas
que me lembrassem nuvens.


Seus olhos refletidos na Lua
enquanto grilos vagabundos
entoam pesares em ré menor!
Suspiros no preço da diária
e velhos boletos atrasados
permeiam a evolução estelar.
Na permuta de sonhos e desejos,
vagando como eterna noturna
esperando amanhecer melhor
no advento da revolução solar.


Meu café não se faz grande o bastante
nesta clausura de plástico translúcido
onde as paredes de uma falsa liberdade
tornam o espaço cada vez mais escasso.
Mas nossos sonhos estarão eternizados
em belas noites carentes de luar!


Imagem de Nicholas Buer, disponível em: http://www.nicholasbuer.com/

domingo, 24 de novembro de 2019

Alforria








Só se pode entender a liberdade
ao conceber-se a existência da prisão.
O estigma escarlate corrói a pele,
traçado sobre a negra imensidão.
São miseráveis fugidios, cansados,
insones esgueirando-se no bosque,
comendo a terra e o asfalto da manhã
na busca de alguma divina solução.

Só se vislumbra um ponto branco
quando este marca o pano preto.
A exclusão só é algo possível
na seleção como regra plausível.
Falta espaço onde sobram almas.
Carece de física o delírio corporal
na imagética da palavra invisível.

Só sente verdadeiramente a paz
aqueles que ousaram a guerra.
A vida é risível ao que morre.
O rumo é sentido ao que corre.
Uma verdade que jamais erra
é a mentira de quem não faz!

Por mais que se negue, está na pele,
está no rosto de quem devora a fome!
A privatização de dores inaudíveis
das quais não se sabe a explicação.
Está na culpa de quem se senta,
um cansado viajante sem bússola
que, parando de senzala em senzala,
reencarna nos trilhos das estrelas!

Só conseguiu fugir da senzala
aquele que saltou no abismo.
Antes coisificado, agora um conjunto
de significados à base de codificação.
Hoje, quando o tempo é patológico,
a tristeza é uma opção psicótica.
Grilhões enferrujados nos habitam.
Fugir de si, ou fugir para si?
Eis a mais difícil indagação! 

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019